Acadêmico





Cadeira 1: Profa. Dra. Amália Corrêa de Carvalho

Patrono: Profa. Dra. Amália Corrêa de Carvalho

Acadêmico: Profa. Dra. Taka Oguisso



Profa. Dra. Amália Corrêa de Carvalho

CARVALHO, Amália Corrêa de (1918-2011)

Thais Araujo da Silva

Ellen Maria Hagopian

Genival Fernandes de Freitas

 

Amália Corrêa de Carvalho nasceu no dia 20 de março de 1918, na fazenda de café de seus pais na cidade de Ribeirão Preto, interior do Estado de São Paulo, Brasil; faleceu no dia 30 de outubro de 2011, aos 93 anos de idade, na mesma cidade do seu nascimento.

A época de seu nascimento foi marcada por dois grandes acontecimentos, sendo um mundial - a Primeira Guerra Mundial (1914-1918), e um nacional - A Primeira República brasileira (1889-1930). Seus pais, Pedro Corrêa de Carvalho (1886-1956) e Elza Morandini de Carvalho (1893-1989), tiveram 7 filhos. Seu avô materno era médico de nacionalidade ítalo-austríaca e a avó, Augusta Köhen Morandini era alemã. Amália foi a quarta filha do casal e, em seguida, nasceu Manoel, o primeiro menino na família, que atraiu todas as atenções, fato que era muito valorizado pela sociedade à época. Assim, desde cedo ela precisou conquistar seu próprio espaço até mesmo dentro da família o que deve ter ajudado a moldar seu caráter firme e exigente. O pai de Amália, embora, agricultor sem muita educação formal, era considerado um homem avançado para a época, pois não considerava que o casamento fosse um bom negócio para a mulher, o que não era comum naquele cenário. Entretanto, sua esposa (Elza), de forte ascendência alemã, aplicava uma rígida educação para as filhas, principalmente nas tarefas domésticas e no cuidado de crianças, o que, implicitamente, demonstrava o desejo de que elas se casassem e fossem mães de família e donas de casa. Mas, das cinco filhas, duas se casaram e três permaneceram solteiras.

Amália cursou o ensino médio no Escola Santa Úrsula, para tornar-se professora primária de escola rural, únicos estudos considerados apropriados para a mulher na época, finalizando esse curso em 1935, com 17 anos de idade.

Em 1943, completou o curso de biblioteconomia na Escola de Sociologia e Política, mas antes de finalizá-lo, já estava matriculada no curso de enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo (EEUSP), na primeira turma, concluindo-o em 1946, tendo se destacado em sua turma pela dedicação aos estudos. A escolha da enfermagem ocorreu casualmente ao encontrar-se com uma conterrânea de Ribeirão Preto, Ophélia Ribeiro, que lhe contou estar fazendo o curso de enfermagem em uma escola recém-inaugurada. Imediatamente, Amália procurou a diretora, Senhora Edith de Magalhães Fraenkel, a quem pediu para ser aceita, prometendo dedicar-se aos estudos e recuperar os dois meses de aulas perdidas. Como se tratava da primeira turma, a diretora atendeu ao pedido e matriculou-a no curso começado.  

Fonte: Centro Histórico Cultural da Enfermagem Ibero Americana (CHCEIA), da EEUSP.

(Amália Corrêa de Carvalho)

No decorrer de sua formação na EEUSP, em regime de internato, o mundo e o Brasil passavam por mais outro grande evento – a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Nesse período, ainda como estudante, Amália contribuiu ativamente para a criação do Centro Acadêmico XXXI de Outubro, em 1944, tornando-se a primeira presidente. Graduou-se, em 1946, como enfermeira e foi logo convidada pela Diretora da Escola a compor o seu corpo docente. No período de 1948 e 1950, foi contemplada com uma bolsa de estudos da Fundação Kellogg para estudos na Escola de Enfermagem da Universidade de Boston, nos Estados Unidos, onde recebeu o título de Bacharel em Educação da Enfermagem. Retornando ao Brasil, foi fazer o curso de Química Aplicada, no Instituto Mackenzie, para aumentar seus conhecimentos sobre ciências básicas, uma vez que havia sido designada para assistente da professora de Introdução à Enfermagem, tornando-se depois responsável por essa disciplina.

Em 1956, matriculou-se no Teachers College, Universidade Columbia, Nova York, onde obteve o grau de Master of Arts e chegou a completar créditos para futuro doutoramento, e a elaborar seu projeto de pesquisa. Ao retornar ao Brasil, aspirava completar os dados para essa pesquisa, mas não conseguiu voltar a essa Universidade dada a sobrecarga de trabalhos na própria Escola, o reduzido corpo docente e as demandas com a abertura (1959) do curso de pós-graduação, tornando-se responsável pela área de Pedagogia e Didática aplicada à Enfermagem, além do curso de graduação, com a disciplina de Fundamentos de Enfermagem.   Entretanto, com a implantação da Reforma Universitária (Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968) ocorrida no Brasil, tornou-se obrigatória a titulação em grau de doutor de todos os docentes. Assim, em 1972, efetivamente concluiu e defendeu sua tese de doutoramento intitulada Orientação e ensino de estudantes de enfermagem no campo clínico, na EEUSP, que se transformou em referência para pesquisas posteriores sobre currículos de enfermagem.

Além do seu papel como docente da EEUSP, Amália foi convidada a assumir a direção da Escola de Enfermagem Job Lane, uma escola particular criada em 1959, no Hospital Samaritano, que não estava reconhecida pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC); com isso, diplomas de suas duas turmas de enfermeiras formadas em 1962 e 1963 não podiam ser registrados. Em sua curta permanência de 1963 a 1965, conseguiu que a mesma fosse reconhecida pela Diretoria do Ensino Superior do MEC e essas enfermeiras pudessem ter seus títulos registrados. Para elaborar sua petição para reconhecimento da Escola, Amália analisou atas, relatórios, cartas e outros documentos antigos desse Hospital, fundado em 1890, e descobriu que os seus diretores foram buscar enfermeiras formadas na Inglaterra para trabalhar no Hospital. Essas enfermeiras logo implantaram um sistema que tinha como diretora ou gerente a matron, as supervisoras eram chamadas sisters e as que prestavam cuidados diretos eram as nurses, exatamente o mesmo modelo implantado por Florence Nightingale, no Hospital St. Thomas, berço da Enfermagem Moderna. Já em 1894, essas enfermeiras inglesas criaram um curso de enfermagem para preparar profissionais para trabalharem no Hospital, implantando pioneiramente o sistema Nightingale no Brasil. Ressalte-se que, naquela época, não havia ainda legislação específica sobre educação no Brasil, fato que só veio a ocorrer em dezembro de 1961, com a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n. 4024, de 20/12/1961).

 Com isso, Amália mudou o rumo do ensino de História da Enfermagem no Brasil, pois até então, acreditava-se que a primeira escola no sistema nightingaleano havia sido criado em 1923, na Escola de Enfermeiras, do Departamento Nacional de Saúde Pública, atual Escola de Enfermagem Anna Nery, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Esse sistema com aquela nomenclatura em inglês, com matron, sisters e nurses continuava em vigor no Hospital Samaritano, sem alteração alguma, ainda na década de 1960. Para confirmar seu achado, Amália publicou artigo de sua autoria sobre o histórico da Escola de Enfermagem Job Lane, em 1965, consolidando-se assim uma nova realidade histórica desconhecida até então.

Além das atividades de ensino, Amália desempenhou diversas funções na Associação Brasileira de Enfermagem (ABEn), sendo eleita presidente dessa entidade, em dois mandatos consecutivos de 1968 a 1970 e de 1970 a 1972. A ABEn já havia realizado uma obra de grande envergadura, consubstanciada numa pesquisa de  ãmbito nacional sobre o Levantamento de Recursos e Necessidades da Enfermagem no Brasil, 1956-1958. Essa obra é incontestavelmente uma das mais importantes da enfermagem brasileira até hoje. Com o auxílio da Fundação Rockefeller, Amália foi fundamental para a continuidade desse Levantamento e para manter sua validade, dando-lhe seguimento atraves da atualização anual dos dados anteriormente coletados, até meados da década de 1970, quando essa atividade foi definitivamente assumida pelo Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), criado em 1973.

Durante o período em que atuou na ABEn, Amália enfrentou grandes desafios, principalmente para a manutenção de um terreno na cidade de Brasília, capital do País, onde deveria ser construida sua sede própria. O governo que havia doado o terreno ameaçava retomá-lo se a ABEn não construisse essa sede dentro de um curto prazo estabelecido. Ante tal ameaça, Amália mobilizou a classe para angariar recursos, para a construção dessa sede, dentro do padrão estabelecido pelo governo para a cidade, com hum mil metros quadrados em um terreno de 5 mil metros quadrados.

A pedido da Organização Mundial da Saúde (OMS) Amália atuou como consultora em outros países, como ocorreu na Universidade San Marcos, em Lima, Peru e ministrou inúmeros cursos nas áreas de Didática aplicada à Enfermagem, Problemas do ensino de Enfermagem, Metodologia da pesquisa em enfermagem, Liderança em enfermagem e um preparatório para enfermeiros-docentes da Escola de Enfermagem daquela Universidade.

Todas essas atividades desempenhadas por ela em diferentes cenários foram desenvolvidas concomitantemente com as aulas na pós-graduação ministradas na EEUSP. Durante sua trajetória na enfermagem, fez diversas representações desse campo do saber, participando de reuniões e grupos de trabalho na OMS, na Organização Pan-americana de Saúde (OPAS), na Organização Internacional do Trabalho (OIT) e, também, nos eventos e congressos do Conselho Internacional de Enfermeiras (CIE), inclusive para acolher e dar as boas vindas à admissão da Associação Portuguesa de Enfermeiros (APE) no CIE, em 1969, em Montreal no Canadá. Nessa época a ABEn ja era veterana como membro do CIE, desde 1929. Fez parte  como representante nacional do Brasil em todas as reuniões do Conselho de Representantes Nacionais (CRN), órgão máximo do CIE, durante seu periodo na ABEn.

Em 1976, participou como membro da delegação brasileira na 61ª Conferência Internacional do Trabalho, promovida pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), em Genebra, para discutir as condições de trabalho e os recursos físicos e humanos dos profissionais de enfermagem, que posteriormente tornou-se a Convenção OIT n. 149, e Recomendação n. 157, sobre emprego e condições de trabalho e de vida do pessoal de enfermagem, adotadas pela OIT em 1977. Na verdade, o Brasil não ratificou essa Convenção por considerar que sua legislação específica já abrangia as recomendações internacionais.          

Com a criação e implantação do Cofen, Amália foi indicada pelo Ministro do Trabalho, Arnaldo Prieto, para vice-presidente na primeira diretoria do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), em abril de 1975. Durante sua gestão no Cofen, Amália ajudou na instalação de 22 órgãos regionais (CORENs) no Brasil e aprovou o Código de Deontologia de Enfermagem. Após o período como vice-presidente do Cofen, foi eleita presidente do Cofen, na gestão seguinte, onde permaneceu até 1979.

Ainda, em nível internacional, Amalia foi eleita para a presidência regional da Seção Sul-Americana do Comitê Internacional Católico de Enfermeiras e Assistentes Médico-Sociais (CICIAMS), no período entre 1972 e 1976, e participou do 1º Congresso Regional Sul-Americano do CICIAMS, organizado juntamente com o XXVIII Congresso Brasileiro de Enfermagem, no Rio de Janeiro. 

Em meados da década de 1980, Amália considerou a ideia da criação de uma academia para a enfermagem brasileira, uma vez que acreditava ser fundamental para a profissão. Dada a proximidade com Taka Oguisso, sugeriu que se formasse um grupo de enfermeiras, que foi composto pela própria Taka, além de Victoria Secaf, Nara Sena de Paula, Maria Jose Schmidt, Lore Cecilia Marx e Hyeda Maria da Gama Rigaud, para discutir sobre a criação de uma futura associação de cunho acadêmico e a elaboração de um estatuto. Ante a falta de uma definição mais precisa sobre o âmbito e objetivos dessa entidade e a inexperiência do grupo para elaborar um estatuto, foi solicitado o auxilio de Maria Rosa Sousa Pinheiro, ex-diretora da Escola de Enfermagem da USP. Por diversas circunstâncias o grupo se dispersou e, apos uma hibernação de 20 anos, isto é no ano de 2010, ressurgiram tais discussões, no tocante à criação de um espaço para a enfermagem ou de enfermeiros, espaldando-se na Academia Americana de Enfermagem que constituia um modelo de referência para aquele grupo. Entretanto, a criação desse espaço confluía em alguns discursos e questionamentos inerentes à pretensão de se criar um órgão tão amplo. Assim, foi decidido que seria mais viável mover-se para um campo pontual e específico e, assim foi fundada a Academia Brasileira de História da Enfermagem (ABRADHENF), em 13 de agosto de 2010, data que marcava o primeiro centenário da morte de Florence Nightingale, figura histórica indiscutivel e proeminente da Enfermagem mundial. Por ocasião da investidura do primeiro membro acadêmico da ABRADHENF, em dezembro de 2013, Amália Correa de Carvalho foi escolhida para ser a patrona da primeira cadeira de acadêmica da ABRADHENF.

Mesmo após sua aposentadoria, em 1980, Amália continuou se dedicando à publicação de artigos e livros, destacando-se, por exemplo, o livro Resumo Histórico da EEUSP, 1942-1980, até hoje unica e mais completa obra de referência dessa Escola, a tradução para o português do livro Notes on Nursing, de Florence Nightingale, e a biografia de sua professora Edith de Magalhães Fraenkel, para a comemoração do cinquentenário da Escola, em 1992.

Refletindo sobre a trajetória de vida profissional de Amália, percebe-se que sua visão, durante suas vivências e experiências de vida, transitava em uma perspectiva singular, não somente pela sua competência no desempenho de suas funções profissionais, mas pela extrema dedicação e sensibilidade em conduzir os aspectos intrínsicos e ideiais de vida. Amália foi presidente das duas maiores e mais significativas organizaçãos de enfermagem no Brasil – a ABEn e o Cofen – marcando suas gestões nessas entidades com sólidas obras de grande envergadura. Legou para a profissão e para todos os enfermeiros e equipe de enfermagem  um patrimônio imenso comprovado pela sua relevante produção cientifica. Revelou-se que foi realmente e efetivamente um gigante da enfermagem brasileira, como cunhou a autora do artigo publicado em 2016.

 

Referências

 

Carvalho, Amália Corrêa. Escola de Enfermagem da USP - Resumo histórico (1942-1980). Revista da Escola de Enfermagem da USP. 1980;14:1-271.

Oguisso T, Nichiata LYI (ed) - Edith de Magalhães Fraenkel. 2. ed. rev. ampl. Carvalho, Amália Corrêa. São Paulo: USP, FAPESP, 2012.

Oguisso, Taka. Trajetória profissional de Amália e Anayde Corrêa de Carvalho. In: Oguisso T, Freitas GF; Siles G, J. Enfermagem: história, cultura e métodos. pp. 29-66. Rio de Janeiro: Águia Dourada, 2016. 316p.  

Oguisso, Taka. Amália: um gigante da enfermagem brasileira. Enferm. Foco 2016; 7 (3/4): 81-85.

 

 


Profa. Dra. Taka Oguisso

Enfermeira, advogada e sanitarista.


Doutora e Livre-docente pela Escola de Enfermagem Anna Nery da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Doutora em Saúde Pública pela Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). Fez pós-doutorado no Teachers College, da Universidade Columbia, Nova York, EUA (1985-1986). Livre-docente e Professora Titular (Aposentada) da Escola de Enfermagem da USP. Enfermeira Consultora e Diretora Executiva Adjunta do International Council of Nurses (ICN), Genebra, Suíça (1987-1997). Primeira Vice-presidente da Federación Iberoamericana de Historia de la Enfermería (FIAHE), com sede no México. Membro Acadêmico e Ex-presidente da Academia Brasileira de História da Enfermagem (ABRADHENF), gestões 2010-2012 e 2012-2014. Comendadora pela Associação Brasileira de Liderança.


Autora de inúmeros livros e capítulos em livros, especialmente sobre História e Legislação da Enfermagem e Saúde, Ética e Bioética em Enfermagem, Pesquisa em História da Enfermagem, Exercício da Enfermagem, Profissionalização da Enfermagem Brasileira, Cruz Vermelha Brasileira, entre outros, além de dezenas de artigos publicados em revistas indexadas nacionais, estrangeiras e internacionais.